“Deitado assim parece que o mundo vai mais devagar. Parece que as pessoas não estão correndo tanto. A perspectiva melhora e dá para ver as coisas mais verticalizadas. É engraçado isso, porque se você para de pé tudo vai mais rápido, de um lado pro outro, mas é só deitar que as coisas se acomodam melhor, param seu deslocamento e crescem”.
Pensando assim, Paulo passou a se deitar várias vezes por dia. Deitava no corredor do escritório mesmo. No começo as pessoas do escritório estranhavam, não conseguiam entender muito bem. O chefe pensou em proibir mas percebeu que assim ele produzia mais e melhor. O único problema era o fato de os colegas estarem começando a achar o Paulo maluco demais (porque que ele era maluco todo mundo já achava).
O primeiro dia foi o pior. “Vai dormir, Gonçalves?”, falavam duas em cada três pessoas que passavam por ele. A outra perguntava se ele estava passando mal. “Nunca estive melhor ou mais acordado”, era sua resposta padrão. E assim ele continuava dando suas deitadas, às vezes pensando, outras com seu bloco, fazendo anotações.
Mas foi quando ele aprendeu a digitar deitado que seu chefe passou a respeitar sua opção de verdade. Chegou a oferecer colchonete, rede, cama, até! Não, ele só queria ficar na horizontal, não precisava tanta comoção. E com o tempo ele foi ficando nessa posição mais e mais.
Ele contava isso pra sua mulher, que não conseguia entender muito bem e recomendou que ele voltasse para a terapia. “Se não for problema, de repente você até vira tese!”, brincou. Na verdade, a sua tese era a da maluquice (até porque ela nunca achou que ele fosse muito bom da cabeça, mesmo).
O terapeuta não entendeu, mesmo tendo a cabeça aberta. Não se interessou em criar uma tese sobre isso mas até deitou umas duas ou três vezes ao longo do dia para experimentar. Continuou sem entender e ligou para seu mentor, um alemão. Ligou e ouviu a resposta: aquilo era uma disfunção gravíssima! Ele conhecia bem o Paulo, ele podia não ser muito certo mas também não era tão disfuncional assim. Ignorou seu mentor e foi dormir (porque o fuso para a Alemanha o fizera ficar acordado até altas horas).
“Deitado assim eu poderia morrer feliz...”, foram as últimas palavras de Paulo, para o boy do escritório. Falou e morreu, assim, sem mas nem porém.
domingo, abril 03, 2005
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Um comentário:
Paulo, Paula.
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