terça-feira, setembro 29, 2009

resolvi traduzir um poema

Fazendo o Vinho Fluir

Veja como as águas do Rio Amarelo saem do paraíso
Correndo para o Oceano sem nunca retornar
Veja como belos cachos refletidos por espelhos brilhantes em quartos suntuosos,
Mesmo sendo negros como a seda pela manhã, à noite tornam-se brancos como a neve.
... Ah, deixai o espírito do homem se aventurar por onde quiser
E nunca inclinar uma taça vazia em direção à lua!
Já que os céus concederam a capacidade, usemo-la!
Role mil peças de prata, todas voltarão!
Asse uma ovelha, mate uma vaca, satisfaça o apetite,
E me traga, vindo de trezentas jarras, um grande drinque!
... Ao velho mestre, Tsen,
E ao jovem acadêmico, Tan-chiu,
Traga o vinho!
Que suas taças nunca descansem!
Que eu cante uma canção!
Que seus ouvidos se entretenham!
O que são o sino e o tambor, pratos raros e tesouro?
Que eu esteja sempre bêbado e nunca retome a consciência!
Homens sóbrios da antiguidade e sábios são esquecidos,
Mas os grandes bebedores são famosos para sempre.
...Príncipe Chen pagou, em um banquete em seu Palácio da Perfeição,
Dez mil moedas por um barril de vinho, com muitas risadas e boas tiradas.
Me diga, meu anfitrião, o porquê de seu dinheiro ter sumido?
Vá e compre vinho e beberemos juntos!
Meu cavalo decorado com flores,
Minhas peles valendo milhões,
Entreguem-nos ao garoto e que ele os troque por vinho bom,
E afogaremos os sofrimentos de dez mil gerações!


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Tradução livre criada a partir da versão em inglês do texto originalmente em chinês do poeta Li Po, também conhecido como Li Bai (701-762). Bai participou ativamente da cena cultural da Dinastia Tang e fazia parte do grupo conhecido como “Os Oito Imortais da Taça de Vinho”.

A morte do autor é atribuída a envenenamento por álcool. Entretanto, alguns relatos dizem que Bai morreu afogado ao tentar abraçar, completamente bêbado, o reflexo da Lua no Rio Yangtze.

O poema deu origem a uma fala do filme “Drunken Master”, dirigido por Woo-ping Yuen e estrelado por Jackie Chan em 1978: “Sober men and sages are lost through the ages but great drinkers never die”.

Aproximadamente 1.100 de seus poemas sobreviveram ao tempo e, hoje, Li Bai é considerado, juntamente com seu colega de copo Du Fu, um dos dois maiores poetas da história da China.

segunda-feira, dezembro 03, 2007

Primeiro Exercício Parte Final

Abri, finalmente, meus olhos. A fumaça do cigarro de filtro amarelo e marca vagabunda ainda estava lá, mas ela já não estava. Virei rapidamente para seguir os últimos passos ainda ao alcance da minha visão nublada. Pedi a quinta cerveja e a conta.


(fim)

quinta-feira, novembro 29, 2007

Primeiro Exercício Parte II

Impaciente, apagou o cigarro e levantou. Decidi que era minha hora e mordi a isca. Ela deu linha, puxou, voltou a dar. Senti o anzol enganchando em minha língua, que já estava enrolada. Um puxão forte e eu já estava dominado. Entramos no meu carro e fomos embora. A partir daí ficou tudo nublado. O carro estava quente e a saia dela subia um pouco a cada freada. Sua voz era melosa, ou talvez fosse a minha. O perfume me inebriava mais do que o álcool que circulava pelo meu sangue. Os cigarros vagabundos de filtro amarelo se sucediam, deixando uma névoa espessa entre meus olhos e os dela. Qual a cor dos olhos dela? Pretos? Não sabia dizer na hora e continuo sem saber. A partir daí permaneci de olhos fechados, vítima dessa leoa que se valia de língua e dentes para me devorar.

Vão-se os anéis, ficam os dedos. Já sem carne, meu esqueleto permanecia de pé. E de pé ficou por toda a noite, pelo simples motivo de dar prazer a ela. Eu era a vítima e o algoz. Penetrava sem dó com meus ossos limpos, a carne já sendo digerida por ela para ser devolvida às minhas juntas. O suor lubrificava a fricção entre nossos corpos e já não havia mais atrito, éramos duas criaturas sem forma e sem sexo nos esfregando despretensiosamente. Eu, peixe fisgado, já não sabia se era predador ou presa Chegamos a um gozo que sintetizava todos os outros vinte que já havíamos tido. Um gozo maior que o universo, e tão indecifrável quanto ele. A morte batia à nossa porta, sabendo que algo de muito secreto havia sido revelado.

(continua)

segunda-feira, novembro 26, 2007

Primeiro Exercício Parte I

Mesmo desarrumada ela era muito bonita. Já havia atraído minha atenção ao entrar na sala, mas assim, sentada ao meu lado, sacudindo seu cabelo, jogando aquela perfumada toda nas minhas narinas, assim ficava incontrolável. Cada anel de sua cabeleira, um pequeno universo onde dríades e musas discutiam que pobre mortal iriam manipular naquela noite. A vítima sou eu. E eu já havia sido subjugado sem nenhum esforço.

Ela cruzou as pernas e senti uma lufada de ar que chegou a balançar os pelos do meu bigode. Assentei os cabelinhos com um olhar malicioso que foi prontamente ignorado por ela. Bebi o fundo quente do meu copo e pedi mais uma cerveja. A quarta. Beber sozinho tem uma característica marcante, quando acaba a garrafa já se está bêbado o suficiente para que a temperatura da cerveja não faça diferença.

Enquanto chegava minha garrafa ela acendia um cigarro. Filtro amarelo e marca vagabunda. Sou muito observador. Sou muito otimista, também, mas tenho que confessar: uma mulher como ela fumando uma marca vagabunda de filtro amarelo é sempre sinal de problema. Pelo menos para mim. A fumaça do cigarro fazia malabarismos para sair por seus lábios. Fumaça relutante, e não a culpo. Eu queria estar ali também e, conseguindo chegar, quem sairia? Eu divagava enquanto o amarelo ia se tornando cada vez mais rosado. A fumaça entrava apertada, sugada pelos lábios pintados, e saía relaxada, moldada pelas bochechas redondas.

(continua)

quinta-feira, março 01, 2007

Sentou no banco e sentiu aquele peso nos olhos.

Sentiu o mundo à sua volta nublando, nublando... Já havia reparado que o mundo parecia estar cada vez mais sonolento. E não pensou nisso partindo de seu próprio cansaço, via pessoas à sua volta sempre em amplos bocejos e piscadas que demoravam mais de dois segundos. Andando como zumbis, iam se enfileirando a caminho de um abatedouro que não reparavam através da espessa névoa letárgica. Algo devia ser notado a partir desses sintomas, ele só não conseguia entender exatamente o quê. O que ele sabia ser verdade era que o mundo estava com sono. Muito sono.

(Trecho de "Dois Contos Sobre Rodas. Episódio II: As Bolsas Azuis.")

quinta-feira, novembro 24, 2005

A Cama

Deitado na cama. O sono insistindo em não vir. Controle de respiração, rotação lenta do corpo em busca do novilúnio. As idéias passam a transitar livremente, uma grande fila de Fuscas que vai descendo uma ladeira de paralelepípedos íngreme demais. Chuva. Três Ferraris disputando entre si numa grande e larga avenida que vai direto para o horizonte inalcançável. Ultrapassando as três, por fora, uma carruagem de filme de bangue-bangue. Tiros. Pneus furados.

O dia anterior se mistura ao dia seguinte. Como deveria ter lidado com aquele cara? Será que vou conseguir? Não devia nem ter tentado... Tudo é simples demais para entender, complicado o suficiente para explicar. A convergência do mês em dez minutos. Trezentos e sessenta e cinco problemas, sensações no espaço de três suspiros profundos.

É preciso dormir. Respiração e técnicas de relaxamento. Nuvens voando, rios descendo entre pedras esverdeadas, pássaros migrando para o norte. As ovelhas não têm chance contra os temíveis coiotes da imaginação. Com a carne devorada, bois de piranha dão entrevista para o Jornal Nacional. Cardumes coloridos são levados de corrente em corrente, algema em algema.

Distraído com a movimentação fica difícil perceber, até a chegada da sonora gargalhada, o homem simpático que, alisando seu bigode, circula pelo salão. É o garçom que, entre uma brincadeira e outra, atende aos pedidos dos pensamentos que passam por aquele bar. A risada não pára, lembrando os minutos que passam no grande relógio pendurado entre provolones e chifres e, também, no pequeno mostrador esverdeado da mesa de cabeceira. Como dormir com toda essa agitação?

Acordei atrasado, como sempre.

quarta-feira, agosto 17, 2005

5Km

Andei cinco quilômetros e não encontrei nada. Sentei na beira da rua e fiquei esperando. Não que eu achasse que uma mensagem divina fosse cair como maná do céu, ou alguém viria andando por aquele beco deserto e cheio de ratos para me dar uma orientação. Eu estava cansado mesmo. Estava esperando a disposição voltar para levantar e continuar andando. Chutei duas baratas para longe, esmaguei mais três só de raiva, levantei, tirei a poeira e continuei andando.

Dois passos, foi tudo que consegui andar. Um grande estrondo me fez pular e virar na direção de onde eu havia acabado de levantar. Olhei e vi uma pessoa igualzinha a mim sentada. Ele chutou duas baratas na minha direção, esmagou mais três só de raiva, levantou, tirou a poeira e começou a andar. Matei as baratas e saí da frente, já que ele parecia muito mais apressado do que eu. Ouvi o estrondo novamente e, como a essa altura eu já esperava, outro de mim apareceu

Já tinha esmagado umas vinte baratas que eles insistiam em chutar na minha direção. Cansado disso, conseguia ver, ao longe, para onde ia a fila de eus. Resolvi seguí-los. Ultrapassei uns cinco de mim até chegar a uma praça ampla, com estátuas de cavalos sem generais, pilares de mármore desgastado por séculos de exposição ao tempo, chafarizes secos e pombos empalhados pelo chão. Ao chegar lá, os eus davam uma volta completa, admiravam as estátuas, se debruçavam sobre as flores mortas dos jardins e mergulhavam no chafariz como se pulassem em uma piscina olímpica de uma competição de salto ornamental.

Intrigado, me aproximei do chafariz e olhei para dentro dele. Não via nada, somente o fundo de mosaicos incompletos e amarelados. Resolvi dar uma chance à loucura, voltei à entrada da praça e me encaixei na fila. Os cavalos, em posições de ataque, ostentavam pomposos generais sobre suas selas. Os pilares brilhavam com o mármore mais branco. Os grandes chafarizes umedeciam o próprio ar com suas águas dançarinas. Tudo parecia ter se encaixado perfeitamente, menos para os pombos que, como que percebendo que eu não era como os outros, voavam em minha direção, quase batendo em mim mais de uma vez e atrapalhando um pouco o caminho dos outros eus. Cheguei ao final do percurso a tempo de me ver entrando no chafariz principal. Um belo mergulho, por sinal. Não sabia que eu podia mergulhar tão plasticamente bem. Preparei para o salto, recolhendo todos os anos de treinamento em piscinas de clubes e casas de amigos. Estava decidindo se ia no estilo bomba ou na barriga-quente. Me distraí e o próximo eu, apressado, forçou passagem, me jogando de qualquer maneira dentro da água azulada.

Com os olhos fechados pelo susto, não vi de onde veio a sucção que me puxava cada vez mais para o fundo. Fundo que nunca chegava, por sinal. Abri os olhos para um túnel que se aproximava rapidamente de mim, com eus, pombos, pilastras e generais descendo pela água cristalina. Um rio entubado, foi o que me veio à mente na hora. Estranhamente, não sentia falta de respirar. Seguia nadando rio abaixo como se estivesse em terra.

Já devia estar há uns quinze minutos descendo e, como a correnteza estava forte o suficiente, resolvi tirar um cochilo. Não sei por quanto tempo dormi, me pareceu muito. Um sono tranqüilo, sem sonhos. Acordei, sozinho, a tempo de ver uma placa passando por mim. "5Km", dizia o sinal de metal. "Cinco quilômetros de onde para onde?", não pude deixar de me perguntar em voz alta. A situação já era tão estranha que uma resposta vindo de algum tipo de criatura que apareceria do nada não me surpreenderia. Mas nem essa resposta eu tive. Segui a corrente até chegar ao que parecia ser o ponto final da jornada. Emergi em um pequeno lago.

Andei cinco quilômetros e não encontrei nada. Sentei na beira da rua e fiquei esperando. Não que eu achasse que uma mensagem divina fosse cair como maná do céu, ou alguém viria andando por aquele beco deserto e cheio de ratos para me dar uma orientação. Eu estava cansado mesmo. Estava esperando a disposição voltar para levantar e continuar andando. Chutei duas baratas para longe, esmaguei mais três só de raiva, levantei, tirei a poeira e continuei andando.

segunda-feira, abril 04, 2005

Meta

As pessoas dizem muitas coisas para si mesmas. Explico: “sempre que eu passo por situações difíceis digo pra mim mesmo isso ou aquilo”. Ou, ainda, os mais inspirados: “...naquela hora falei para mim aquele poema do Drummond que diz...” Esse tipo de auto-diálogo deve ajudá-los - as biografias estão cheias de exemplos - mas, sei lá... Eu nunca fiz isso! Será que sou mais infeliz? Nunca vou ser bem-sucedido?

Quero ajuda antes que seja tarde! Não quero me dar mal por não ter uma relação tão comunicativa. E não é que eu tenha uma relação ruim comigo mesmo, pelo contrário, tenho uma relação bastante aberta com meu eu co-habitante. Só que a gente não fica se questionando. Cada um, ou dois, ou três, faz(em) o que quer(em). Juntos ou separados. Bem multi-tarefa.

Sem promiscuidade, lógico! Eu sou muito fiel a mim mesmo. Sempre tem aqueles momentos em que eu acabo dando preferência a outros em detrimento de mim, às vezes me arrependo. Mas me dou bem comigo assim.

domingo, abril 03, 2005

Deita!

“Deitado assim parece que o mundo vai mais devagar. Parece que as pessoas não estão correndo tanto. A perspectiva melhora e dá para ver as coisas mais verticalizadas. É engraçado isso, porque se você para de pé tudo vai mais rápido, de um lado pro outro, mas é só deitar que as coisas se acomodam melhor, param seu deslocamento e crescem”.

Pensando assim, Paulo passou a se deitar várias vezes por dia. Deitava no corredor do escritório mesmo. No começo as pessoas do escritório estranhavam, não conseguiam entender muito bem. O chefe pensou em proibir mas percebeu que assim ele produzia mais e melhor. O único problema era o fato de os colegas estarem começando a achar o Paulo maluco demais (porque que ele era maluco todo mundo já achava).

O primeiro dia foi o pior. “Vai dormir, Gonçalves?”, falavam duas em cada três pessoas que passavam por ele. A outra perguntava se ele estava passando mal. “Nunca estive melhor ou mais acordado”, era sua resposta padrão. E assim ele continuava dando suas deitadas, às vezes pensando, outras com seu bloco, fazendo anotações.

Mas foi quando ele aprendeu a digitar deitado que seu chefe passou a respeitar sua opção de verdade. Chegou a oferecer colchonete, rede, cama, até! Não, ele só queria ficar na horizontal, não precisava tanta comoção. E com o tempo ele foi ficando nessa posição mais e mais.

Ele contava isso pra sua mulher, que não conseguia entender muito bem e recomendou que ele voltasse para a terapia. “Se não for problema, de repente você até vira tese!”, brincou. Na verdade, a sua tese era a da maluquice (até porque ela nunca achou que ele fosse muito bom da cabeça, mesmo).

O terapeuta não entendeu, mesmo tendo a cabeça aberta. Não se interessou em criar uma tese sobre isso mas até deitou umas duas ou três vezes ao longo do dia para experimentar. Continuou sem entender e ligou para seu mentor, um alemão. Ligou e ouviu a resposta: aquilo era uma disfunção gravíssima! Ele conhecia bem o Paulo, ele podia não ser muito certo mas também não era tão disfuncional assim. Ignorou seu mentor e foi dormir (porque o fuso para a Alemanha o fizera ficar acordado até altas horas).

“Deitado assim eu poderia morrer feliz...”, foram as últimas palavras de Paulo, para o boy do escritório. Falou e morreu, assim, sem mas nem porém.

sexta-feira, abril 01, 2005

Pessoas apaixonáveis




Estar apaixonado é uma sensação boa.
O desenrolar da historia, sim, pode ser trágico ou triste.
Mas estar apaixonado é uma sensação boa.
Contar as horas para vê-la. Preparar assuntos pra no exato momento que ela chegar todos eles fugirem da sua mente, deixando você extasiado somente com a presença dela. Parecer um ser das profundezas do abismo limitado pelo "oi. tudo bem?" padrão.
E há que se tatear na escuridão para que nada dê errado.
A vontade é de gritar no ouvido: EI, EU TAMBÉM.
Eu também gosto de coca-cola.
Eu também gosto de ler.
Eu também gosto de escrever.
Eu também já estive perto de me casar.
Eu também tenho que fazer meu projeto final e não estou nem um pouco empolgado com isso.
Eu também quero me formar.
Eu também quero ir morar com um amigo quando tudo acabar.
Mas e se ela achar isso tudo estranho?
Afinal de contas, quem sou eu? Uma cópia de desejos e situações?
Onde divergimos, onde nos separamos, onde somos únicos?

Não somos.
Nunca fomos.
No máximo um atestado preliminar de viabilidade da obra.
Mas estar apaixonado é uma sensação boa.

Naive

Desde criança possuo um hábito que julgava ímpar.Talvez por nunca ninguém ter me questionado a respeito daquilo, ou pura e simplesmente compartilhado esses momentos, eu imaginava ser pessoal e passei a tratar como um segredo.
Tudo começou nas longas viagens de ônibus, privilégio que eu tive por estudar no centro da cidade. Como ler no ônibus me causava uma tremenda dor de cabeça, fui obrigado a utilizar minha própria imaginação.As vezes ficava contando quantas pessoas passavam na rua, quantas entravam no veículo. Estava sempre pronto a dizer quanto aquele ônibus deveria faturar por dia. Mas isso rapidamente me enjoou. Na média o ônibus sempre faturava a mesma coisa, enquanto eu não faturava nada. Então passei a levar um walkman para me distrair com algum som. Alguma coisa que impedisse a mente de calcular. E com a mente mais livre eu passei a sonhar. Sonhar acordado, sonhos de menino, de ser ídolo de futebol, de ser um cantor (invariavelmente o que estava cantando a música no momento) ou entao, ser só o compositor, uma pessoa não tão exposta como o cantor mas que tinha crédito.
Não era a fama que me atraía nos meus sonhos conscientes.

quinta-feira, março 31, 2005

Notícia do Povo (Quarta-feira, 30 de março de 2005)

Policiais da Polinter (Divisão de Capturas e Polícia Interestadual) foram recebidos com tiros pelos traficantes do Morro da Mangueira ontem, quando tentavam prender o chefe do tráfico na favela, Leandro Monteiro dos Reis, conhecido como Leandro Pitbull.

Depois de receber informação de que o traficante estaria na parte alta da favela, chamada de Buraco-Quente, cerca de 15 policiais da Polinter subiram o morro por volta das 10h com um mandado de prisão contra Leandro. Os policiais se aproximavam da casa onde o bandido estaria escondido, quando começou um intenso tiroteio. Encurralados, eles tiveram que pedir reforço para deixar o local. Agentes das delegacias de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), de Roubos e Furtos de Automóveis (DRFA) e da 27a DP (Vicente de Carvalho) juntamente com o helicóptero Águia I, da Polícia Civil, deram apoio à operação, mas o traficante conseguiu escapar. Algumas pessoas foram presas para averiguação.

Segundo o chefe do Serviço de Investigações e Operações Policiais (SIOP) da Polinter, Fernando Rodrigues, Leandro Pitbull pertence à facção criminosa Comando Vermelho e, atualmente, é a liderança de rua no Morro da Mangueira. Ele substitui antigos líderes do tráfico na favela, como Tuchin e Polegar, que estão presos.


Enquanto isso no Jardim do Éden...

Adão estava cansado. O dia de trabalho havia sido intenso, nunca havia visto tantos animais enfileirados para que ele desse nome. Era um trabalho cansativo, estafante mentalmente. Imagine só você ter que dar nomes a mais de duzentos animais em um só dia! Sem contar a pressão, já que quando ia ao banheiro, ou tomar um cafezinho, ficavam iguanodontes e mariposas olhando para ele, aguardando sua vez de receber um nome. Às vezes ele até já sabia o nome que ia dar, mas toda aquela burocracia... A missão que o barbudo havia lhe dado era até interessante, mas alguns dias ele achava que seria melhor ficar descansando na beira de alguma praia, uma cachoeira, talvez.

E chegar em casa e encontrar com Eva. Eva era legal, não aporrinhava, não enchia o saco, não questionava. Muito melhor do que Lilith. Lilith era independente demais, não escutava o que Adão dizia, não fazia o arroz com aqueles verdinhos como Adão gostava. O barbudo fez bem em jogar Lilith naquele lugar cheio de bichos esquisitos. De repente ela poderia dar nome pra alguns deles e ver como é cansativo o trabalho que ela ridicularizava. Já Eva, ah, Eva, não. Toda essa história de sair da costela de Adão havia feito com que ela o respeitasse mais. Ela entendia melhor, por ter dependido dele para aparecer, que ele trabalhava para manter os dois vivos. Cumpria seu dever com o mundo pelos dois, e tudo o que ela deveria fazer era cozinhar para ele. Muito mais simples.

Mas Lilith era quente. Eva não é. Lilith brigava muito com ele e não tem nada melhor do que o sexo para fazer as pazes. E quanto sexo. Transavam pela manhã, transavam no horário de almoço de Adão, transavam antes de dormir, acordavam no meio da noite para transar, até! Eva está sempre com sono no final do dia, com pressa no começo do dia, ocupada no meio do dia. Sexo com ela, uma vez por semana e olhe lá.

Ah, as pressões do dia-a-dia. O barbudo deveria inventar alguma coisa para fazer com que ele esquecesse dessa vida agitada, cheia de problemas e cobranças. Ia chegar em casa e Eva estaria lá, com seu jantar pronto e seu sorriso apático. Seus verdinhos no arroz. Havia resolvido sair mais cedo do trabalho.

Pensando nisso ele se lembrou de uma conversa que havia tido durante o dia com alguns animais. Ele já vinha ouvindo há algum tempo uma expressão estranha entre os bichos, “a cobra vai fumar”. Sendo ele o inventor das palavras e dos nomes, como nunca havia falado isso? Resolveu investigar quando uma espécie nova de cobra veio procura-lo por um nome. Ela lhe deu um saquinho com um tipo de planta que ele já conhecia mas achava que era só enfeite. As folhas eram bonitas e o cheiro muito agradável. A cobra deu algumas dicas sobre o que ele deveria fazer com aquele mato que, segundo ela, era a flor seca da tal planta.

Chegou em casa e Eva estava cozinhando. Pegou um pequeno braseiro e fez como a cobra havia dito, um cone de folhas grandes para fechar o espaço entre as brasas e seu rosto. Jogou a erva no braseiro e viu quando a rica fumaça subiu. Inspirou profundamente. Repetiu diversas vezes o processo, engasgando e tossindo algumas vezes, a cobra havia dito que isso poderia acontecer. Acabou com o que ela havia lhe dado e resolveu sair para dar uma volta enquanto o jantar não ficava pronto.

As árvores... Como ele nunca tinha reparado na beleza das árvores de seu jardim? E as flores, nunca havia reparado em como eram vivas as cores que elas tinham. Azuis intensos, amarelos ofuscantes, vermelhos profundos. Ouviu um som e estremeceu. Que beleza absoluta! O que é isso que ele escutava? Olhou para o galho de uma árvore e reparou em um pássaro que ele havia nomeado havia dois ou três dias. Sem dúvida era o rouxinol que havia, todo imponente, mostrando sua cantoria. Naquele dia ele não devia estar muito inspirado, ou então Adão estava distraído demais com sua burocracia. Mas, agora, aquele canto tocava uma parte de sua alma que ele pensava nem mesmo existir.

Andando como que sobre nuvens, Adão sentiu fome. Uma fome como nunca havia sentido antes. Distraído, estava longe demais de sua casa, não tinha como saber se Eva já havia terminado o jantar ou não. Tudo bem, o que não faltavam eram árvores frutíferas em seu jardim. Esticou o braço e pegou o mais vermelho dos frutos da mais bela árvore (não julgava bem, todas as árvores pareciam ser a mais bela). Pegou e deu uma vigorosa dentada. Sentiu uma profusão de sabores, o ácido se misturando ao adocicado. O suco descia pelo seu queixo e matava sua sede e sua fome ao mesmo tempo. Comeu rapidamente e pegou outra. E mais outra. E mais outra.

Ouviu um barulho fortíssimo. Um trovão como nunca havia escutado antes. Tinha esquecido de que não podia comer daquela árvore. Justo ele que tinha uma memória tão boa. O que pode ter acontecido? Olhou para o alto e viu uma espada em chamas. Olhou para baixo, notou sua nudez e sentiu a necessidade de esconde-la. Pensou na hora: “Roupas? A Eva não vai gostar de ter mais trabalho...”.