quinta-feira, novembro 29, 2007

Primeiro Exercício Parte II

Impaciente, apagou o cigarro e levantou. Decidi que era minha hora e mordi a isca. Ela deu linha, puxou, voltou a dar. Senti o anzol enganchando em minha língua, que já estava enrolada. Um puxão forte e eu já estava dominado. Entramos no meu carro e fomos embora. A partir daí ficou tudo nublado. O carro estava quente e a saia dela subia um pouco a cada freada. Sua voz era melosa, ou talvez fosse a minha. O perfume me inebriava mais do que o álcool que circulava pelo meu sangue. Os cigarros vagabundos de filtro amarelo se sucediam, deixando uma névoa espessa entre meus olhos e os dela. Qual a cor dos olhos dela? Pretos? Não sabia dizer na hora e continuo sem saber. A partir daí permaneci de olhos fechados, vítima dessa leoa que se valia de língua e dentes para me devorar.

Vão-se os anéis, ficam os dedos. Já sem carne, meu esqueleto permanecia de pé. E de pé ficou por toda a noite, pelo simples motivo de dar prazer a ela. Eu era a vítima e o algoz. Penetrava sem dó com meus ossos limpos, a carne já sendo digerida por ela para ser devolvida às minhas juntas. O suor lubrificava a fricção entre nossos corpos e já não havia mais atrito, éramos duas criaturas sem forma e sem sexo nos esfregando despretensiosamente. Eu, peixe fisgado, já não sabia se era predador ou presa Chegamos a um gozo que sintetizava todos os outros vinte que já havíamos tido. Um gozo maior que o universo, e tão indecifrável quanto ele. A morte batia à nossa porta, sabendo que algo de muito secreto havia sido revelado.

(continua)

segunda-feira, novembro 26, 2007

Primeiro Exercício Parte I

Mesmo desarrumada ela era muito bonita. Já havia atraído minha atenção ao entrar na sala, mas assim, sentada ao meu lado, sacudindo seu cabelo, jogando aquela perfumada toda nas minhas narinas, assim ficava incontrolável. Cada anel de sua cabeleira, um pequeno universo onde dríades e musas discutiam que pobre mortal iriam manipular naquela noite. A vítima sou eu. E eu já havia sido subjugado sem nenhum esforço.

Ela cruzou as pernas e senti uma lufada de ar que chegou a balançar os pelos do meu bigode. Assentei os cabelinhos com um olhar malicioso que foi prontamente ignorado por ela. Bebi o fundo quente do meu copo e pedi mais uma cerveja. A quarta. Beber sozinho tem uma característica marcante, quando acaba a garrafa já se está bêbado o suficiente para que a temperatura da cerveja não faça diferença.

Enquanto chegava minha garrafa ela acendia um cigarro. Filtro amarelo e marca vagabunda. Sou muito observador. Sou muito otimista, também, mas tenho que confessar: uma mulher como ela fumando uma marca vagabunda de filtro amarelo é sempre sinal de problema. Pelo menos para mim. A fumaça do cigarro fazia malabarismos para sair por seus lábios. Fumaça relutante, e não a culpo. Eu queria estar ali também e, conseguindo chegar, quem sairia? Eu divagava enquanto o amarelo ia se tornando cada vez mais rosado. A fumaça entrava apertada, sugada pelos lábios pintados, e saía relaxada, moldada pelas bochechas redondas.

(continua)