segunda-feira, abril 04, 2005

Meta

As pessoas dizem muitas coisas para si mesmas. Explico: “sempre que eu passo por situações difíceis digo pra mim mesmo isso ou aquilo”. Ou, ainda, os mais inspirados: “...naquela hora falei para mim aquele poema do Drummond que diz...” Esse tipo de auto-diálogo deve ajudá-los - as biografias estão cheias de exemplos - mas, sei lá... Eu nunca fiz isso! Será que sou mais infeliz? Nunca vou ser bem-sucedido?

Quero ajuda antes que seja tarde! Não quero me dar mal por não ter uma relação tão comunicativa. E não é que eu tenha uma relação ruim comigo mesmo, pelo contrário, tenho uma relação bastante aberta com meu eu co-habitante. Só que a gente não fica se questionando. Cada um, ou dois, ou três, faz(em) o que quer(em). Juntos ou separados. Bem multi-tarefa.

Sem promiscuidade, lógico! Eu sou muito fiel a mim mesmo. Sempre tem aqueles momentos em que eu acabo dando preferência a outros em detrimento de mim, às vezes me arrependo. Mas me dou bem comigo assim.

domingo, abril 03, 2005

Deita!

“Deitado assim parece que o mundo vai mais devagar. Parece que as pessoas não estão correndo tanto. A perspectiva melhora e dá para ver as coisas mais verticalizadas. É engraçado isso, porque se você para de pé tudo vai mais rápido, de um lado pro outro, mas é só deitar que as coisas se acomodam melhor, param seu deslocamento e crescem”.

Pensando assim, Paulo passou a se deitar várias vezes por dia. Deitava no corredor do escritório mesmo. No começo as pessoas do escritório estranhavam, não conseguiam entender muito bem. O chefe pensou em proibir mas percebeu que assim ele produzia mais e melhor. O único problema era o fato de os colegas estarem começando a achar o Paulo maluco demais (porque que ele era maluco todo mundo já achava).

O primeiro dia foi o pior. “Vai dormir, Gonçalves?”, falavam duas em cada três pessoas que passavam por ele. A outra perguntava se ele estava passando mal. “Nunca estive melhor ou mais acordado”, era sua resposta padrão. E assim ele continuava dando suas deitadas, às vezes pensando, outras com seu bloco, fazendo anotações.

Mas foi quando ele aprendeu a digitar deitado que seu chefe passou a respeitar sua opção de verdade. Chegou a oferecer colchonete, rede, cama, até! Não, ele só queria ficar na horizontal, não precisava tanta comoção. E com o tempo ele foi ficando nessa posição mais e mais.

Ele contava isso pra sua mulher, que não conseguia entender muito bem e recomendou que ele voltasse para a terapia. “Se não for problema, de repente você até vira tese!”, brincou. Na verdade, a sua tese era a da maluquice (até porque ela nunca achou que ele fosse muito bom da cabeça, mesmo).

O terapeuta não entendeu, mesmo tendo a cabeça aberta. Não se interessou em criar uma tese sobre isso mas até deitou umas duas ou três vezes ao longo do dia para experimentar. Continuou sem entender e ligou para seu mentor, um alemão. Ligou e ouviu a resposta: aquilo era uma disfunção gravíssima! Ele conhecia bem o Paulo, ele podia não ser muito certo mas também não era tão disfuncional assim. Ignorou seu mentor e foi dormir (porque o fuso para a Alemanha o fizera ficar acordado até altas horas).

“Deitado assim eu poderia morrer feliz...”, foram as últimas palavras de Paulo, para o boy do escritório. Falou e morreu, assim, sem mas nem porém.

sexta-feira, abril 01, 2005

Pessoas apaixonáveis




Estar apaixonado é uma sensação boa.
O desenrolar da historia, sim, pode ser trágico ou triste.
Mas estar apaixonado é uma sensação boa.
Contar as horas para vê-la. Preparar assuntos pra no exato momento que ela chegar todos eles fugirem da sua mente, deixando você extasiado somente com a presença dela. Parecer um ser das profundezas do abismo limitado pelo "oi. tudo bem?" padrão.
E há que se tatear na escuridão para que nada dê errado.
A vontade é de gritar no ouvido: EI, EU TAMBÉM.
Eu também gosto de coca-cola.
Eu também gosto de ler.
Eu também gosto de escrever.
Eu também já estive perto de me casar.
Eu também tenho que fazer meu projeto final e não estou nem um pouco empolgado com isso.
Eu também quero me formar.
Eu também quero ir morar com um amigo quando tudo acabar.
Mas e se ela achar isso tudo estranho?
Afinal de contas, quem sou eu? Uma cópia de desejos e situações?
Onde divergimos, onde nos separamos, onde somos únicos?

Não somos.
Nunca fomos.
No máximo um atestado preliminar de viabilidade da obra.
Mas estar apaixonado é uma sensação boa.

Naive

Desde criança possuo um hábito que julgava ímpar.Talvez por nunca ninguém ter me questionado a respeito daquilo, ou pura e simplesmente compartilhado esses momentos, eu imaginava ser pessoal e passei a tratar como um segredo.
Tudo começou nas longas viagens de ônibus, privilégio que eu tive por estudar no centro da cidade. Como ler no ônibus me causava uma tremenda dor de cabeça, fui obrigado a utilizar minha própria imaginação.As vezes ficava contando quantas pessoas passavam na rua, quantas entravam no veículo. Estava sempre pronto a dizer quanto aquele ônibus deveria faturar por dia. Mas isso rapidamente me enjoou. Na média o ônibus sempre faturava a mesma coisa, enquanto eu não faturava nada. Então passei a levar um walkman para me distrair com algum som. Alguma coisa que impedisse a mente de calcular. E com a mente mais livre eu passei a sonhar. Sonhar acordado, sonhos de menino, de ser ídolo de futebol, de ser um cantor (invariavelmente o que estava cantando a música no momento) ou entao, ser só o compositor, uma pessoa não tão exposta como o cantor mas que tinha crédito.
Não era a fama que me atraía nos meus sonhos conscientes.