Andei cinco quilômetros e não encontrei nada. Sentei na beira da rua e fiquei esperando. Não que eu achasse que uma mensagem divina fosse cair como maná do céu, ou alguém viria andando por aquele beco deserto e cheio de ratos para me dar uma orientação. Eu estava cansado mesmo. Estava esperando a disposição voltar para levantar e continuar andando. Chutei duas baratas para longe, esmaguei mais três só de raiva, levantei, tirei a poeira e continuei andando.
Dois passos, foi tudo que consegui andar. Um grande estrondo me fez pular e virar na direção de onde eu havia acabado de levantar. Olhei e vi uma pessoa igualzinha a mim sentada. Ele chutou duas baratas na minha direção, esmagou mais três só de raiva, levantou, tirou a poeira e começou a andar. Matei as baratas e saí da frente, já que ele parecia muito mais apressado do que eu. Ouvi o estrondo novamente e, como a essa altura eu já esperava, outro de mim apareceu
Já tinha esmagado umas vinte baratas que eles insistiam em chutar na minha direção. Cansado disso, conseguia ver, ao longe, para onde ia a fila de eus. Resolvi seguí-los. Ultrapassei uns cinco de mim até chegar a uma praça ampla, com estátuas de cavalos sem generais, pilares de mármore desgastado por séculos de exposição ao tempo, chafarizes secos e pombos empalhados pelo chão. Ao chegar lá, os eus davam uma volta completa, admiravam as estátuas, se debruçavam sobre as flores mortas dos jardins e mergulhavam no chafariz como se pulassem em uma piscina olímpica de uma competição de salto ornamental.
Intrigado, me aproximei do chafariz e olhei para dentro dele. Não via nada, somente o fundo de mosaicos incompletos e amarelados. Resolvi dar uma chance à loucura, voltei à entrada da praça e me encaixei na fila. Os cavalos, em posições de ataque, ostentavam pomposos generais sobre suas selas. Os pilares brilhavam com o mármore mais branco. Os grandes chafarizes umedeciam o próprio ar com suas águas dançarinas. Tudo parecia ter se encaixado perfeitamente, menos para os pombos que, como que percebendo que eu não era como os outros, voavam em minha direção, quase batendo em mim mais de uma vez e atrapalhando um pouco o caminho dos outros eus. Cheguei ao final do percurso a tempo de me ver entrando no chafariz principal. Um belo mergulho, por sinal. Não sabia que eu podia mergulhar tão plasticamente bem. Preparei para o salto, recolhendo todos os anos de treinamento em piscinas de clubes e casas de amigos. Estava decidindo se ia no estilo bomba ou na barriga-quente. Me distraí e o próximo eu, apressado, forçou passagem, me jogando de qualquer maneira dentro da água azulada.
Com os olhos fechados pelo susto, não vi de onde veio a sucção que me puxava cada vez mais para o fundo. Fundo que nunca chegava, por sinal. Abri os olhos para um túnel que se aproximava rapidamente de mim, com eus, pombos, pilastras e generais descendo pela água cristalina. Um rio entubado, foi o que me veio à mente na hora. Estranhamente, não sentia falta de respirar. Seguia nadando rio abaixo como se estivesse em terra.
Já devia estar há uns quinze minutos descendo e, como a correnteza estava forte o suficiente, resolvi tirar um cochilo. Não sei por quanto tempo dormi, me pareceu muito. Um sono tranqüilo, sem sonhos. Acordei, sozinho, a tempo de ver uma placa passando por mim. "5Km", dizia o sinal de metal. "Cinco quilômetros de onde para onde?", não pude deixar de me perguntar em voz alta. A situação já era tão estranha que uma resposta vindo de algum tipo de criatura que apareceria do nada não me surpreenderia. Mas nem essa resposta eu tive. Segui a corrente até chegar ao que parecia ser o ponto final da jornada. Emergi em um pequeno lago.
Andei cinco quilômetros e não encontrei nada. Sentei na beira da rua e fiquei esperando. Não que eu achasse que uma mensagem divina fosse cair como maná do céu, ou alguém viria andando por aquele beco deserto e cheio de ratos para me dar uma orientação. Eu estava cansado mesmo. Estava esperando a disposição voltar para levantar e continuar andando. Chutei duas baratas para longe, esmaguei mais três só de raiva, levantei, tirei a poeira e continuei andando.
quarta-feira, agosto 17, 2005
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